terça-feira, 28 de maio de 2019

Jamor - 12 de Maio de 2019



Press 62

João Vaz conquista o Ouro nas 6 provas em que participou 2 Recordes Europeus M1, 1 Recorde Europeu Open e 5 Recordes Nacionais Campeonato Nacional de Verão - Natação Adaptada 11 e 12 de maio de 2019 Complexo de Piscinas Olímpicas do Jamor

João Vaz volta a vencer todas as provas em que participa, desta vez no Campeonato Nacional de Verão, quebrando 2 Recordes Europeus M1, 1 Recorde Europeu Open e 5 Recordes Nacionais. O Campeão Europeu terminou com 8 Medalhas de Ouro ao peito, 6 da categoria S21 e 2 por ser vencedor em todas as categorias (Absolutos). A competição teve lugar no Complexo de Piscinas Olímpicas do Jamor, nos dias 11 e 12 de maio, e a sua organização esteve a cargo da Federação Portuguesa de Natação e da Associação de Natação de Lisboa, com o apoio do Centro Desportivo Nacional do Jamor. Na 1ª Jornada, João Vaz venceu nos 100m Bruços (com o tempo 1.31.96), quebrando o Recorde Europeu M1, o Recorde Nacional e outro Recorde Nacional na passagem dos 50m. Venceu também nos 200m Bruços (em 3.17.88), onde bateu o Recorde Europeu Open, Recorde Europeu M1 e o Recorde Nacional. Na última etapa do dia, terminou com a conquista da Estafeta 4x100m Livres (5.56.10), juntamente com a sua equipa do Sporting Clube de Portugal, quebrando outro Recorde Nacional. Na 2ª Jornada, foi igualmente bem-sucedido, vencendo nos 200m Mariposa (3.22.66) e nos 200m Estilos (3.14.56). Na Estafeta 4x100m Estilos, com os seus colegas de equipa, voltou a subir ao lugar mais alto do pódio, batendo outro Recorde Nacional. Com estes resultados, João Vaz cumpriu os objetivos a que se propôs e continua a sua preparação para o Campeonato da Europa DSISO, que se realiza em Olbia, Sardenha, entre os dias 15 e 22 de setembro.





domingo, 26 de maio de 2019

João Vaz - Excelência humana e atlética


Olhando quer retrospectivamente quer de forma sincrónica para o conjunto sempre em mutação que constitui isso que se designa diplomaticamente como «humanidade» percebe-se que talvez o maior problema que, a este nível, existe é o da definição precisa do que é propriamente a humanidade, o que é propriamente ser-se humano, um ser humano.
Todas as formas tribalistas antigas e contemporâneas definem o próprio do humano como isso que obedece aos princípios míticos em torno dos quais se constitui a tribo a que se pertence, sejam tais princípios claramente assumidos como míticos sejam disfarçados de formas “superiores” de racionalidade.
Ora, a humanidade tribal sempre se definiu propriamente por oposição à definição do que é propriamente humano nas outras tribos. Tal significa que o que é mesmo humano é o que pertence ao que o mito da minha tribo define como tal. A definição de humanidade e de ser humano seu constituinte é, assim, um acto cultural e apenas cultural.
Pode ser o nazi-ariano por oposição ao restante da humanidade; pode ser o membro do Klan norte americano, através do mesmo modo universal de distinção; pode ser o “branco” relativamente ao “preto” ou o “preto” relativamente ao “branco”; pode ser o rico relativamente ao pobre; o indivíduo com elevado QI relativamente ao de baixo QI, mas cuja acção aquele explora porque não pode viver sem ela.
Todavia, também pode ser o “saudável” relativamente ao “doente” ou o “normal” relativamente ao “anormal”. Estas distinções, todas elas etnocêntricas, todas elas onto-antropológica, ética e politicamente ilegítimas fundaram as relações humanas e continuam a fundá-las, mesmo no campo macro da geopolítica e das, assim perversas, relações internacionais entre estados, povos, nações, instituições várias.
Sendo este panorama etnocêntrico universal o que é, apesar das superficiais declarações em contrário, proferidas pelos mesmos responsáveis pela existência de tais perversidades antropológicas e político-sociais, não é de surpreender que se estenda, também, ao campo do desporto, em que a discriminação etnocêntrica vária ainda se encontra presente.
Uma destas presenças consiste em tratar os desportistas que não são considerados como aptos a competir com os ditos “normais” como desportistas de ordem inferior, assim os tratando como se de uma tribo menor se tratasse, impassível de conviver ao mesmo nível da tribo dos “bons”, dos privilegiados pela natureza, dos que foram eleitos para se destacarem antropologicamente entre os seres humanos que a si próprios se consideram como os normais, classificação que recebe tacitamente o beneplácito das instituições nacionais e internacionais que aceitam tal classificação, tal discriminação.
Ora, subjacente a esta discriminação está o irracional preconceito de que os chamados «deficientes» não são seres humanos semelhantes aos outros, apenas diferentes, nas circunstâncias que são as suas.
Não há qualquer razão para que, consideradas positiva e não negativamente as suas diferenças, não possam e mesmo devam poder fazer tudo o que os outros fazem, também segundo as suas diferenças próprias, sem que sejam considerados «menos humanos» ou indignos de estar lado-a-lado com os demais ditos «normais».
Há que notar que todos os seres humanos são deficientes de um modo ou de outro: que capacidade tem um homem com dois metros e vinte de altura e cento e cinquenta quilos de peso para ser cavaleiro de corridas de velocidade? Isso faz dele «anormal», deficiente, menos humano por comparação com o habitual cavaleiro com um metro e sessenta de altura e sessenta quilos de peso?
Então, por que razão não hão-de os atletas, quaisquer, mas sobretudo os excelentes em sua diferença, ser tratados como humanamente semelhantes em direitos e deveres aos outros, aos ditos «normais»?
Por que razão não haver, mas haver mesmo, competições em que uns e outros se pudessem encontrar, não para competir humilhando-se, mas para competir imbricando as suas diferentes formas de uma mesma humanidade?
Por que razão certas formas de desporto não são ainda reconhecidas como olímpicas, como, por exemplo, a natação dita «adaptada»? «Adaptada» a quê? Ou será que a «normal» também não é adaptada ao seu nível e modo; ou é «desadaptada», talvez «inadaptada»? Não é todo o desporto necessariamente adaptado ao que é como desporto diferenciado?
 Toda esta irracionalidade, inaceitável neste século XXI e fruto de estruturas antropológicas arcaicas e primitivas que já deveriam ter desaparecido, obriga a que atletas de várias modalidades «não-normais» tenham muito mais dificuldade em procurar e manifestar a sua excelência possível do que os proclamados «normais». Ora, tais dificuldades implicam que os triunfos destes atletas desconsiderados tenham um mérito relativo e absoluto muito maior do que os outros, apaparicados etnocentricamente pelo sistema discriminatório, em que os «normais» privilegiam os «normais».
Serve esta reflexão para ajudar a magnificar algo que concretiza um ponto de viragem fundamental e de grande dignidade antropológica, ética e política e que é a presença de atletas especialmente diferenciados na selecção para o Prémio do Melhor Atleta do Ano, relativo a 2018, promovido pela Confederação do Desporto de Portugal.
O facto de se pôr debaixo de uma única designação antropológica universal – agora – todos os atletas, independentemente da sua especial diferença, constitui um marco cultural e civilizacional do mais elevado mérito humano, cumpridor da Carta dos Direitos Humanos.
No desporto, como no mais da vida humana, em termos de mérito pessoal, o que interessa são os actos que cada um fez, que cada um é. O mais é especulativo, quiçá, preconceituoso.
No caso vertente, é o palmarés objectivo que deve contar e, a partir dele, ser feito o juízo acerca de quem foram os melhores, realmente, sem preconceitos ou má-fé.
O grande Atleta nadador João Vaz, ser humano portador de trissomia vinte e um, foi este ano incluído na lista dos possíveis melhores. Foi-o objectivamente: não porque pertence a quotas, não porque é visto de modo especial, mas porque se integra na normalidade do que deve ser a triagem e eleição normal de todos os seres humanos – identicamente humanos – em qualquer âmbito da acção humana.
Parabéns ao João; mas, sobretudo, parabéns a quem conseguiu pessoal e institucionalmente evoluir para um patamar de inteligência em que formal e materialmente se supera tudo o que são atavismos etnocêntricos aniquiladores da objectiva dignidade humana.
Está também Portugal de parabéns. Encetado o caminho, agora há que não vacilar e não retroceder, sobretudo em tempos em que as velhas estruturas etnocêntricas estão a reganhar terreno.
Janeiro de 2019
Américo Pereira
FCH/UCP

Special Ability


I remember, when I was a single child, always wanting to have a sibling and the day I got the news I was thrilled, finally. I have this image of me telling everyone in kindergarden I was going to have a brother. I was 6 when my brother was born and it was almost Christmas, so it was our happy Xmas gift. I was always superhappy and excited with having a new baby at home, little did I know he was special. He looked like any other baby, no, actually much cutter. He had slanted eyes and a beautiful smile. I remember he would laugh with my parents, but not with me and that used to make sad, I thought he didn´t like me as much or that I was not as funny. The first time I learned something was different about him was after a school party (maybe second grade?) where my parents had gone with my brother to watch me performing; my teacher asked me the next day “is there any problem with your brother?” to which I replied “no”, and thought “she must be crazy, he´s the most perfect baby on Earth”! I went home and I told my mother, still thinking “can you believe this?” and finally she explained me what his difference was. That did not add or take away any single bit of what I already thought of him, he was perfect, what was that “talk” and complicated explanation for? “Can’t you see he is just like any other baby?”. And in fact he was, despite his extra chromosome. Until he was a bit older I could not really see any delay in his development, of course I also didn´t have any other term of comparison to compare him to and so I only got to know he would learn how to walk, to talk (which he still doesn´t do like me for example) a bit later than the “normal” age. And I think it was the constant use of those comparative terms that make me realize his extra chromosome actually made him different.

I would lie if I said that I never wished he did not have Down’s syndrome, but what I got to realize years later, and looking back, is that it was through what I like to call “society encounters” that this wish grew. It was not easy sometimes, being a child myself, to explain to other children what he had and how normal he was in spite of not speaking by the age of 4; I was 10 back then. It was worse when they made fun of him. I recall this colleague in primary school (and he is presently really nice to my brother), who went running around the schoolyard shouting “Mongol, her brother is mongol” and laughing. I felt sad, I knew he was being rude, but my brother wasn’t only that and it seemed so hard to prove everyone wrong, to prove that he was sweet and cute and that it was normal for me to want him to be “normal”. I remember also secretly wishing until he was about ten that he’d speak next summer, so that people could finally see him differently, with more respect, as normal as he was for me. I think also until late I always had the idea or secret wish that if he could speak like me, people wouldn´t even notice he had Down´s Syndrome and would accept him better, not pushing him away or staring. I guess this always bothered me much more than it bothered him, he has always been a really happy person and I believe he learnt how to deal with narrow-minded people earlier than me. Even within our family, many never wanted to play with him (it was more like they were doing him a favour by letting him in) or tried to really understand him, I always felt that “pity feeling” from their side. Maybe this is not even true nowadays but that was the image I saved, my bit of anger towards others for never giving him a real chance.

At home, he was only my younger brother, I would always have to take care of him because he was younger, the only difference was that I never stopped taking care of him, even when he grew older.

Whenever I had some spare time and patience I would force him to read, sometimes not in so pedagogical a way as a teacher would, frustrated with how long these learnings would take to sink in. I could feel his frustration too, wanting to finish off the lesson and just trying to guess what was written, afraid of my rebuke in case of error. But with time, and some more patience (and I have to thank him for this skill of mine) his reading skills would improve, he would remember previously taught syllables and we would both be happy. This had to be a continuous training though, and lack of it combined with time made him a clumsy reader. I pointed at the week days, months; maths was harder but it was a matter of practicing again; colours, grammatical mistakes could be corrected during speech, and many other simple things. He's good at all that now. He knows there are different languages, countries, that he's different and that we love him. And he knows so much more, obviously. And of course, I'm not saying I've taught him everything, not at all, I was just my parents' right-hand.

He loves sports, I think we both got it from our parents, and I like to think he also got it from me. He is better than many kids of his age doing, for example, a hand stand, a cot-wheel (yes I used to be a gymnast), a front roll. He would also be great at football, basketball and many other sports had his physical education teachers spent more time tailoring classes to his special needs. But I get it, who has time for 30 different kids, plus the disabled one? I taught him gymnastics, that was my part. Now he is a professional swimmer going to national and international championships. He has trainings 5 times a week and internships in the upcoming of important tournaments. Our father drives him off everywhere, he is lucky, we are lucky for having caring and dedicated parents. He also has a great coach that really loves working with kids like him. If everyone would look at these beings the same way we do, everyone would want to work with them and learn from them. He's a happy kid, he's caring and even over-concerned with me at times, he's a good friend. He his pure, and I like to think that seeing the world through his eyes also makes me a bit more pure.
I miss him a lot I must say, miss his hugs, his joy, his grumpiness, his stubbornness, I miss my brother,(because I'm living abroad now).
His future? I don't know, do you know yours? Happy for sure, learning more through life like anyone else, making more people aware of the normality of being different, having a simple and routine job in a blessed (for having him) company.

Sometimes I would be sad just by thinking we wouldn't get to do many of the things I did when I got to a certain age, but that's life, he still has time and the most important is that he is truly happy. How many people do everything they want and still feel unhappy? How many people on Earth are smothered by social impositions or don't even have a house to sleep in? Let's face it, we just complicate, being happy is not only about what we do, what we can have, but simply appreciating what we have and can do. My brother understood that long ago, it has been sinking in slowly for me.
                                                                      
I know he will always have a place to eat, sleep, have fun and be loved and that's all that matters, right?

Trying to create a society of perfect human beings is a great loss and a sad mistake, simply because what makes us better is not perfection, but an unlimited capacity for love.

Joana Vaz

9 de Setembro de 2013

A propósito de um campeão

Os falhados
Talvez nunca como hoje as questões ligadas à definição ontológica do que é um ser humano, uma pessoa, foram tão relevantes, numa altura da história em que, após mais de trinta séculos de transição de um estado de definição antropológica baseado em primitivas categorias etnocêntricas – que sempre reduzem a dignidade ontológica do diferente –, a um estado de consciência antropológica, ética e política de uma comum humanidade universalmente verificável, se caminha perigosamente em sentido inverso.
Após a maior vergonha antropológica da história da humanidade constituída pelo massacre de dezenas de milhão de pessoas aquando da Segunda Guerra Mundial, muitos destes milhões apenas porque foram considerados desconformes a formas precisamente etnocêntricas, outros apenas porque estavam no sítio em que os senhores da guerra localizaram esta, após se ter erigido a Declaração Universal dos Direitos do Homem, logo após tal matança, a mesma humanidade parece ter enveredado por um caminho de regresso à estupidez primitivista que está na base de todas as discriminações antropológicas, de todas as formas de denegação da dignidade humana de uns seres humanos por outros, de toda as formas de escravização.
Interroga-se: tanto sofrimento para quê? Tanto trabalho de esclarecimento lógico-racional para quê? Para que uns quantos arautos de uma redescida aos infernos da irracionalidade triunfem, fazendo a humanidade regressar a tempos de antes das grandes denúncias antropológicas da tiranização de uns por outros?
Com a animalização biologista da humanidade e a igualização entre a besta – por simpática que seja – e o ser humano; com o renovado triunfo dos movimentos promotores da tirania, encorajados pela transferência maciça da riqueza para o oriente de tradição esclavagista de que nunca prescindiu e que sabe disfarçar muito bem, até com teorias que justificam engenhosa e requintadamente todas as formas de submissão ao tirano; com o renovar da tradição depredatória ocidental, em que, de facto, o ser humano é lobo do ser humano; com todos estes movimentos lançando para a sargeta da história os que não podem ou não querem fazer parte de um tal mundo, impiedosamente tratando tudo o que considera fraco ou simplesmente desconsidera porque elege como não-querido, de que o exemplo maior foi Adolf Hitler, a humanidade encaminha-se para um abismo de bestialidade antropológica ou de puro e simples caos.
O universo humano substituído por um universo mecânico mais poderoso do que o seu criador humano começa a apresentar-se como alternativa, como se pode perceber pelas figuras criadas por um George Lucas, que chega a trocar o pessoal médico por máquinas, em Guerra das Estrelas; por um Spielberg, que cria um menino mecânico mais propriamente humano do que os seres humanos que o construíram, em Inteligência Artificial; pelos irmãos Wachowski, na sua antropologicamente muito significativa epopeia antropo-mecânica Matrix. Todas estas são obras consumidas cumulativamente por centenas de milhão de pessoas.
É um tempo em que a definição de humanidade está em causa, logo após uma raríssima parte da humanidade possidente ter posto em forma escrita, que deveria ser Lei, mas que não passa de um papel ignorado, uma Declaração que supõe uma definição antropológica capaz de obviar a todos estes movimentos de irracionalização, de indignificação onto-antropológica da humanidade.
Mas que é isso da humanidade? O que é ser-se um ser humano?
Nenhuma definição pode já ser aceite como boa universalmente, tal a qualidade perversa do trabalho de sapa que foi feito precisamente para impedir tal definição universal.
A única resposta universalizável, mesmo para e com as mais irredutivelmente perversas pessoas – sempre pessoas – é esta: o ser humano é isso que vês quando te olhas ao espelho. Isso que faz de ti isso que vês ao espelho é estruturalmente o mesmo em e para todos os seres que também assim se vêem ao espelho e que tu podes ver como são, se te dignares olhar para eles como te dignas olhar para ti, ao espelho.
Ainda assim, e por causa da perversidade do olhar, perversidade que não é possível eliminar sem que se elimine quem assim olha – precisamente o ponto aqui em causa –, esta definição claudica: que vê um Hitler quando olha um «indesejado»? Um semelhante à sua imagem especular? Claramente não.
Mas e não há um hitlerzinho potencial em cada olhar de cada um de nós? Em mim, há, bem o sei. E eu sei que não sou diferente senão em grau dos demais, porque eu já me vi ao espelho e já olhei e olho os outros como eles são, não como eu os quero ver. É uma boa experiência: morta a vaidade, é não só não-dolorosa, como absolutamente deliciosa. Que bom é ver no outro não a besta semelhante a mim, mas a pessoa semelhante a mim.
O campeão
Por isso gosto muito de olhar para o meu atleta favorito, o meu Amigo João, o campeão que já ganhou dezenas e dezenas de troféus. O homem que é capaz de nadar mil e quinhentos metros em estilo mariposa, quando o máximo que já consegui nadar nesta especialidade foi vinte e cinco metros. Se empregarmos uma perversa antropologia métrica, o João é sessenta vezes melhor do que eu a nadar em estilo mariposa. Nisto das comparações antropológicas, tão em voga, pobre de mim.
Como nunca ganhei qualquer medalha em qualquer desporto e a diferença entre nada e muitas dezenas é infinita, o João é infinitamente melhor do que eu a ganhar medalhas desportivas. Estou mal.
Mas posso recuperar: eu sou um filho razoável e o João é um bom filho. Já estou mais próximo. O João gosta muito de raparigas e eu também sempre gostei. Consegui um empate. O João é bom no que faz na escola e eu também por aí ando. Outro empate.
O João, com tanto exercício, é de uma elegância imbatível; eu tenho a barriga burguesa que se espera de um homem com 52 anos e sedentário. Já estou de novo a perder. Comparar seres humanos é ingrato. Na comparação, perde-se sempre algo, ao relativizar-se o que é absoluto na pessoa a uma outra pessoa, assim as relativizando a ambas. É um processo destruidor do que há de absoluto em cada ser humano, algo que nunca deve ser relativizado.
As pessoas são o absoluto de isso que surge no espelho invocado algumas linhas acima (não confundir com o reflexo). E, ou cada pessoa percebe tal e é, assim, possível construir uma humanidade real de reais pessoas, ou não percebe e está a humanidade condenada ou à bestialização ou à erradicação.
O João, na sua grandeza ontológica própria de pessoa, todos os «João» – e todas as «Joanas» (o João tem mesmo uma irmã chamada Joana e muito se amam) –, os Pais de todos os «João», todos os que nos servem de exemplo, mas também todos os outros, porque o João é a humanidade numa pessoa, como cada um de nós é a humanidade numa pessoa, são para ser contemplados no que são e, nisso, amados.
Esqueço-me de um pormenor, agora irrelevante: o João, o João Vaz tem Trissomia 21. E eu sinto-me profundamente humilde perante tão grande humanidade nele.
Outubro de 2016
Américo Pereira